terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Agente de saúde falha no combate à dengue em Belo Horizonte

Cada um deles tem que enfrentar uma rotina de vistoria de, no mínimo, 800 imóveis de Belo Horizonte a cada dois meses. Por dia, são cerca de 30. Em oito horas de trabalho, ganhando um salário de R$ 748, cada agente de combate a endemias da capital visita, a pé, sob sol ou chuva, casas, prédios, lojas, hospitais, cemitérios e obras. Sob sua responsabilidade, estão nada menos do que 138 quarteirões. O peso que carregam vai além do material necessário para o trabalho. A carga mais pesada é o desafio de corresponder às cobranças das autoridades e população: conter o avanço da dengue antes de a doença explodir na cidade. Com tempo curto para bater todas as metas e combater uma ameaça que se recusa a recuar, uma das principais peças nos jogos de guerra contra o mosquito vem cometendo erros que podem comprometer o programa de combate à doença, que apenas este ano investirá R$ 25 milhões, segundo a Prefeitura de BH.

Como resultado de um trabalho corrido, cansativo e, muitas vezes, pouco valorizado, a negligência nas vistorias do dia a dia se torna tão ameaçadora quanto a capacidade que tem o Aedes aegypti de contaminar. O resultado dessas falhas aparece nas planilhas de vítimas do mosquito. Já são, nas primeiras seis semanas do ano, 71 casos confirmados da doença em BH e quase mil pessoas com suspeita de terem sido infectadas. Enquanto o mosquito está no centro do tabuleiro desse jogo, agentes ignoram tarefas consideradas essenciais para essa batalha que já dura pelo menos 20 anos e vem sendo perdida pela população brasileira.

Nas visitas de casa em casa, ação que é considerada fundamental para enfrentar a ameaça de epidemia, há informações equivocadas ou que simplesmente não são repassadas aos cidadãos. As caixas-d’água, apontadas como reservatórios com maior potencial para o desenvolvimento de larvas, muitas vezes são negligenciadas na vistoria, por puro esquecimento. “Por causa de muitos fatores, o trabalho tem mais pressa do que qualidade”, reconhece o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Prefeitura de BH e agente de combate a endemias da Regional Noroeste, Raimundo Fonseca.

Depois de conversar com especialistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Fiocruz Minas e da Sociedade Mineira de Infectologia para levantar detalhes essenciais para uma vistoria de combate à dengue bem feita, a equipe do Estado de Minas foi a campo na semana passada e acompanhou por dois dias, em turnos alternados, o trabalho de agentes na capital. A Secretaria Municipal de Saúde indicou o acompanhamento de fiscalizações nas regiões Centro-Sul e de Venda Nova, em bairros onde o Levantamento do Índice Rápido do Aedes aegypti (Liraa) está acima de 1% – limite considerado aceitável pelo Ministério da Saúde.



O trabalho revelou uma série de falhas, em parte reconhecidas pela própria prefeitura. Nos dois dias de pesquisa, foram 15 imóveis vistoriados na presença da equipe de reportagem, sendo sete na Região Centro-Sul e oito em Venda Nova. O que mais chamou a atenção foi que, nas vistorias em prédios, poucos foram os moradores ou porteiros que acompanharam o trabalho do agente. Em dois edifícios, um síndico e uma faxineira foram as companhias por algum tempo. Mesmo assim, não foram alertados sobre os riscos encontrados. Em uma das vistorias, apenas sete minutos foram suficientes para fiscalizar garagem, salão de festas e área externa da edificação.

Em casas visitadas, moradores foram questionados sobre a existêcia de pratos em vasos de planta. A resposta negativa foi o bastante para que os recipientes não fossem observados. Em um prédio no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul, o síndico Enoch Reis, preocupado, contou à equipe de fiscalização que no 13º andar do edifício foi verificada a presença de mosquitos. Recebeu como resposta o argumento de que o Aedes aegypti “só voa três metros”, por isso não haveria risco, motivo pelo qual as equipes não fiscalizam apartamentos. Informação errada, dizem especialistas.

Prédios

De acordo com a médica Silvia Hess, primeira-secretária da Sociedade Mineira de Infectologia, os apartamentos podem, sim, ter focos do transmissor da dengue. “Há estudos que dizem que a fêmea do Aedes aegypti pode voar até 1,2 mil metros de altura. Os insetos podem, pelo cheiro das roupas das pessoas, acompanhá-las em elevadores ou escadas”, alerta.

A PBH se defende, dizendo que a recomendação é de que trabalhadores façam suas vistorias até o primeiro andar dos edifícios. “A potencialidade do vetor em outros andares é mínima”, argumenta o secretário-adjunto da Saúde municipal, Fabiano Pimenta. Segundo ele, um inquérito sorológico com dados de 2000 apontou que o risco de moradores de casas adoecerem por dengue é três vezes maior do que aqueles que vivem em prédios. “Em 2005, em parceria com o Programa Nacional de Controle da Dengue, definimos essa estratégia operacional”, diz. Mas, quando se pergunta a um dos agentes de combate a endemias o motivo do avanço do vírus na Regional Centro-Sul, a resposta é rápida e clara: “Nesses lugares, o que predomina são prédios e somos proibidos de ir aos apartamentos.”



Fonte: Estado de Minas

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